O “novo normal” e os seus efeitos nas relações de consumo

O “novo normal” e os seus efeitos nas relações de consumo


A pandemia do novo coronavírus trouxe consigo uma crise histórica sem precedentes, tendo como pano de fundo o luto, a ansiedade e o medo, inclusive de um novo ciclo de contaminação. O mercado está passando por transformações profundas que devem se estender por muito tempo, acelerando profundamente as mudanças nas relações sociais. Mas, afinal, o que é o “novo normal” e os seus efeitos nas relações de consumo da população.

Segundo Maria Aparecida Rhein Schirato, professora do Insper, o conceito de novo normal, cada vez mais presente no centro dos debates, fala sobre a busca do ser humano pela normalidade. “O novo normal, na verdade, seria a proposta de um novo padrão que possa garantir nossa sobrevivência. Ou seja, entramos em um novo padrão de normalidade. Reforçando, normalidade é o padrão que me garante sobrevivência dentro de um grupo”.

O relatório executivo Tendências 2020, elaborado pela FIEP, apresenta 12 fenômenos emergentes que ganham força, expressando avanços tecnológicos, inovações nos negócios, convulsões sociais, mudanças comportamentais e de hábitos de consumo, servindo para subsidiar a compreensão do que aguarda as empresas em um futuro muito próximo. Vamos abordar alguns desses fenômenos no presente artigo e nos próximos.

Quando a pandemia iniciou, em março, observamos uma grande comoção de pessoas, movimentos sociais, denominações religiosas, organizações públicas e privadas, além de empresas, desenvolvendo ações de conscientização para evitar a disseminação do novo coronavírus, e prestando auxílio para as pessoas do grupo de risco que foram os primeiros a cumprirem medidas de isolamento social. O marketing de causa, assim denominado por especialistas para descrever essas práticas nas empresas, ganhou expressividade durante a pandemia e acompanhará seus efeitos duradouros. Os que tiverem estratégias genuínas de comunicação e relacionamento, terão laços mais estreitos entre marcas, fornecedores e consumidores.  As empresas que estiveram próximas dos seus clientes durante a crise, demostrando empatia, respeitando o momento e suas limitações, desenvolvendo novos canais de vendas e política de relacionamento, com ações solidárias, certamente serão lembradas no pós crise.

Os clientes, de modo geral, estão mais exigentes, seletistas e conscientes sobre quais produtos e serviços desejam consumir. Preocupados com a origem, práticas socioambientais e relações trabalhistas adotadas pelas empresas, de modo a eliminar aquelas que não estejam cumprindo das suas relações de consumo.

 

O referido estudo afirma que passado o choque inicial, os negócios afetados pela impossibilidade de aglomeração ou contato físico direto partem para a reinvenção frente às mudanças com efeito para além da pandemia do novo coronavírus. Das alterações forçadas nos hábitos de compra, relações pessoais e experiências laborais, emerge a Economia de Baixo Contato, ou Low Touch Economy, identificada e amplamente difundida pelos estudos do Board of Innovation (Conselho de Inovação), cujo conceito é um novo estado socioeconômico provocado pela pandemia, ou seja, a vida no pós-coronavirus. Muitas dessas transformações, que já vinham ocorrendo gradualmente, receberam um impulso descomunal como verificado na consolidação do comércio eletrônico e do delivery, nos avanços da telemedicina e no fortalecimento das cadeias de suprimentos regionais.

A interação social é condição indispensável para o desenvolvimento e constituição das sociedades. O novo coronavírus, tem sido um teste não apenas de nossos sistemas econômicos e mecanismos de assistência médica, mas também de nossa criatividade e capacidade de resiliência para suprir a básica necessidade humana inerente de conexão e toque. E provocados por necessidades pessoais, empatia e consciência coletiva vimos nascer vários propósitos coletivos.

 

Ø  PROPÓSITO COLETIVO: Na era das tecnologias exponenciais, a resolução dos maiores desafios sociais para as próximas décadas deixa de ser protagonizada exclusivamente por governos e corporações tradicionais. Indivíduos ampliam a visão além do horizonte pessoal e valem-se da hiperconexão para colaborar com mentes e ideias de todos os lugares, a qualquer hora e de modo próprio. O Propósito Transformador Massivo (PTM), é assumido como meta por organizações exponenciais que abraçam mudanças culturais para mover equipes internas a fim de gerar impacto externo. Como marcas são ativos vivos, que se moldam às mudanças do ambiente, a pandemia do novo coronavírus tornou-se um momento único para que fossem repensados papéis, práticas e posicionamentos.

 

            O propósito agrega valor, evidencia marcas, engaja colaboradores e fideliza consumidores. Em vez de apenas gerenciar pessoas, organizações passam a mobilizá-las, criando significados e formando comunidades. Vocês lembram da Greve Escolar pelo Clima? Nela ficou evidente a capacidade de mobilização coletiva em relação a um dos maiores desafios dos tempos atuais. Mais de 4 milhões de estudantes foram às ruas de 128 países contra as atuais políticas climáticas.

O oposto do propósito coletivo é devastador, causa uma crise de imagem com impactos duradouros. Vamos lembrar do exemplo recente, da rede de restaurantes Madero, que demitiu de uma só vez, 600 funcionários, nove dias depois de o proprietário Júnior Durski prometer publicamente em suas redes sociais, manter todos os empregos durante a crise econômica mundial, afirmando ter reservas econômicas para três, seis ou até mesmo um ano de crise financeira. Além de causar polêmica pelo não cumprimento das medidas de isolamento social. Segundo ele, o Brasil sofreria consequências muito maiores em sua economia do que as mortes provocadas pela COVID-19. Veja:

 

“Sei que temos de chorar e vamos chorar por cada uma das pessoas que vão morrer com o coronavírus. Vamos cuidar, vamos isolar os idosos, as pessoas que tenham algum problema de saúde, como diabetes, vamos! É nossa obrigação fazer isso. Mas não podemos, por conta de cinco ou sete mil pessoas que vão morrer…”.

 

O grupo Madeiro viu a indignação dos seus clientes refletida nas inúmeras publicações ofensivas e no boicote sincronizado que refletiu na queda vertiginosa do número de pedidos nos últimos meses.

 

Em tempos de transparência digital proeminente, propósitos sociais se tornaram requisito básico para marcas alcançarem competitividade e capacidade de escala. A delimitação do propósito, contudo, depende de definição de objetivos claros, consciência do impacto desejado na sociedade ou em determinado nicho de mercado. A criação de peças de marketing torno dos esforços de sustentabilidade e responsabilidade, não se sustenta sem que a empresa viva esses valores no dia a dia e inspire o seu público. No caso da pandemia do novo coronavírus, trabalhar a responsabilidade social pode ser um divisor de águas, tanto para o fortalecimento da marca em plena crise, quanto para o risco da associação à causa soar oportunista.

 

Deixamos aqui duas sugestões de livros trazidos pelo estudo do Sistema FIEP para aqueles que desejam aprofundar o estudo sobre o tema.  O primeiro é a Era do Impacto, autor James Marins, que destaca a oportunidade ímpar dos dias atuais para mudanças sistêmicas por meio da ação, participação e colaboração em escala e o segundo livro, Organizações Exponenciais, de Salim Ismail, diretor executivo da Singularity Universty, discorre sobre a importância do Propósito Transformador Massivo para a transformação cultural e o crescimento das organizações exponenciais.

Desejo uma boa leitura a todos e até a próxima semana.


Marciane Santo

Marciane Santo

Diretora Técnica do Sebrae no Amapá



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