A última banana

A última banana


Dom Pedro José Conti 

Bispo de Macapá 

Um jovem voluntário,  num grande acampamento de refugiados na África, contou a sua experiência no momento da distribuição dos alimentos. A situação era confusa e perigosa. Quando ele percebeu que as reservas estavam para acabar, a fila ainda era comprida e alguns davam sinais de desespero. No final da fila, havia uma menina de mais ou menos nove anos. Quando chegou a vez dela, restava somente uma banana e a entregaram para ela. A menina tirou a casca da banana, deu metade para o irmãozinho, a outra metade para a irmãzinha e lambeu o interno da casca da banana. O jovem confessou que, naquele instante, nasceu nele a fé em Deus.  

No evangelho de Lucas, deste 26º Domingo do Tempo Comum, encontramos mais uma parábola de Jesus. Os protagonistas são dois homens. Um deles era muito rico e gastava com roupas finas e banquetes. O outro, ao contrário, era muito pobre, não tinha nem o que comer e esperava, sentado no chão, que lhe dessem alguma sobra da fartura daquelas festas. Mas isso não acontecia. Todos dois morreram. O pobre, chamado Lázaro, foi acolhido junto a Abraão. O rico foi para a região dos mortos, no meio de tormentos, sofrendo a sede. Viu Lázaro e pediu que o pai Abrão o mandasse até ele, ao menos, com uma gota de água. Abraão respondeu que era impossível, porque um grande que, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos” (Lc 16,33).

No texto evangélico, a parábola está muito mais cheia de detalhes. O primeiro que chama a atenção é que Lucas faz questão de dizer que Jesus contou essa parábola “aos fariseus”. Sabemos que esse grupo religioso era formado por pessoas que seguiam, rigorosamente, as normas da Lei e, com isso, consideravam-se justos e com o direito às recompensas de Deus. Muitas vezes, acabavam desprezando aqueles que, por alguma razão, não podiam satisfazer a todos os preceitos. Com certeza, o pobre Lázaro, cheio de feridas e familiarizado com os cachorros, não cumpria tudo o que as normas pediam. No entanto esse pobre foi levado para o seio de Abraão. O rico ficou do outro lado do “abismo” que, é fácil entender, ele mesmo tinha preparado já neste mundo com a sua indiferença com Lázaro ou, também, pelo receio de se contaminar com as impurezas das feridas do pobre. Mais uma vez,  Jesus surpreendeu os seus ouvintes descrevendo uma situação impensável para os fariseus legalistas.

Nós, cristãos de hoje, já não temos toda essa preocupação, contudo não é dito que saibamos dar mais atenção aos pobres que encontramos nos caminhos da vida. Quantos “abismos” continuam a nos separar! Alguns são muralhas verdadeiras de tijolos, ouriços de ferro e arames farpados. Outros são feitos de medos de se misturar, preconceitos desfavoráveis, orgulho de quem se sente superior, porque tem mais condição ou ocupa alguma posição de destaque na sociedade. Com essa parábola, Jesus quer nos lembrar que, se somos nós mesmos que cavamos os abismos, podemos também preenchê-los para que, enfim, possamos todos nos encontrarmos e nos  abraçarmos já neste mundo. De maneira especial, gostaria de convidar os meus irmãos cristãos católicos a refletir sobre possíveis obstáculos que nós mesmos criamos em nossas comunidades. Já falamos e falaremos mais de “sinodalidade”. Para “caminhar juntos”,  precisamos nos educar à fraternidade e ao respeito para todos e todas. As nossas diversidades não devem ser motivo de divisões ou afastamentos. Devem servir para nos enriquecermos uns aos outros com tantos dons e carismas que o Espírito Santo continua a distribuir com fartura. Mas nem todos, individualmente, como famílias ou como grupos, gostam de escutar e conhecer melhor os demais. Uma pena! Perdemos a possibilidade de dar um exemplo de comunhão a uma sociedade tão cheia de separações. Talvez precisemos aprender a partilhar “a última banana” para chegarmos a viver mais juntos a mesma fé, a mesma esperança e, sobretudo, a mesma caridade. Porque tudo começa pelo amor, a partilha e a solidariedade.                     



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