Guardiões da vida: povos indígenas alertam sobre emergência climática e apontam saídas para um futuro possível

Guardiões da vida: povos indígenas alertam sobre emergência climática e apontam saídas para um futuro possível



“Nós estamos em guerra. A falsificação ideológica que sugere que nós temos paz é pra gente continuar mantendo a coisa funcionando. Não tem paz em lugar nenhum. É guerra em todos os lugares o tempo todo.” A declaração contundente do líder indígena e ambientalista Ailton Krenak, presente na série “Guerras do Brasil.doc”, é um retrato do panorama dos conflitos de classe, gênero e raça em nosso país. No caso dos povos indígenas, o desafio é ainda mais complexo: além de enfrentar um processo sistemático de genocídio há mais de 500 anos e até hoje resistir para ter seus direitos reconhecidos, são também esses povos que protagonizam uma luta global: a preservação do meio ambiente e a sobrevivência da nossa espécie.

Nesse contexto, cerca de 6 mil indígenas e 200 povos estiveram acampados em Brasília entre os dias 24 e 28 de abril para a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena do Brasil. Dentre os diversos debates travados no encontro - como a urgência da demarcação de terras indígenas e a inconstitucionalidade da proposta do Marco Temporal - a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com suas sete organizações regionais, lançou uma carta aberta decretando emergência climática. 

“O planeta inteiro, a Mãe Terra está adoecida, clamando por cura. Ser salva das doenças que o modelo de desenvolvimento predatório, baseado na acumulação, no lucro e no consumismo insaciável causaram: inundações, secas, barramentos, furações, aumento da temperatura do planeta em mais de 1º grau próximo à meta estabelecida pelos países de 1,5º até 2030. Tudo isso é chamado de crise climática, e tem piorado a precarização de amplos setores da população brasileira, sobretudo daqueles que como muitos de nós já viviam empobrecidos e marginalizados pelo atual modelo econômico vigente”, destaca trecho do decreto.

O documento apresenta 18 reivindicações a todos os poderes do Estado, como a demarcação das terras indígenas em todos os biomas, fortalecimento do Ministério dos Povos Indígenas e a atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima. Mais do que avanços no plano institucional, os povos indígenas fazem um chamado por uma mudança profunda: a transformação do nosso modelo civilizatório. “Como dizem as nossas irmãs indígenas, é preciso reflorestar mentes para a cura da Terra, a Mãe Terra”, aponta a carta. 

 

“Nunca mais um Brasil sem nós”

As diferentes visões de mundo entre indígenas e não indígenas também são apontadas pela pedagoga Maria Terena. “A política hoje é a política do ruralista, a política de quem quer acabar com tudo pelo dinheiro. E nós não precisamos de dinheiro. Nós precisamos da natureza, ter a paz de caminhar na floresta, de sentar debaixo de uma árvore aqui na aldeia, de ensinar nossos filhos a ir no rio caçar e pescar”, explica.

Maria é indígena do povo Terena e vive na Aldeia Tereré, município de Sidrolândia (MS). Segundo dados do IBGE de 2010, o Mato Grosso do Sul concentra 56% da população indígena da região centro-oeste. No entanto, hoje o estado é marcado pela destruição dos territórios locais pelo avanço do agronegócio e ataque aos povos tradicionais. “Para nós, enquanto povos indígenas, é muito doído. Você vê animais andando já dentro das cidades porque não tem mais seu espaço, seu habitat”, lamenta a professora. 

Maria se formou em pedagogia e teve o primeiro contato com a militância depois de entrar na sala de aula, a partir do movimento de professores indígenas. Ela ressalta que os diferentes modos de se relacionar com a comunidade e com o meio ambiente já aparecem na escola, a partir de uma visão de mundo que não está descrita nos livros. “Porque o nosso ancião é tão sábio quanto aquele que tá no livro, que a ciência diz que é um teórico, que é o sabedor. Nossos anciões têm isso. Mas nós não estamos em livro nenhum. Nós estamos no chão da aldeia. E a escola indígena é isso, é sair daquele espaço de quatro paredes pra ir pra dentro da comunidade e ter essa troca de conhecimento”, ressalta. 

Em relação à crise climática, a professora salienta que o passo fundamental é a mudança de percepção sobre a natureza. “Essa crise climática só vai acabar quando tomarmos consciência do que a natureza representa pra nós. Do quão importante é cada bioma brasileiro, o quão importante é uma árvore em pé, quantas vidas ela mantém. Toda vez que cortamos uma árvore, quantos de nós não morremos?”. Maria também destaca o protagonismo dos povos indígenas nesse enfrentamento. “Nós estamos tentando preservar, estamos indo para os movimentos, para as assembleias, estamos denunciando. O nosso papel é esse, é tentar proteger. Por que se nós não lutarmos pela natureza, quem vai lutar por ela?”, questiona. 

Dinamam pontua que é urgente colocar os povos indígenas no centro da discussão sobre o clima. “Nós queremos estar no centro do debate e que os países nos vejam como parte da solução das mudanças climáticas. Não só pelo nosso modo de vida, pelos nossos saberes tradicionais, mas porque comprovadamente nós somos os principais guardiões e defensores dessa fauna, dessa flora e dos territórios. Então nós queremos colocar em evidência não só a pauta indígena, mas a necessidade de mudança civilizatória pra conter essa crise que só se agrava”, conclui.

E ressalta que muitos países têm discutido a questão climática e fechado acordos internacionais para tratar o problema, mas que muito desse esforço tem sido em vão. Por isso, o decreto da emergência climática feito pelos povos indígenas cumpre um papel central. “Pela inoperância desses tratados e acordos internacionais, dessas conferências que tentam dialogar sobre as questões climáticas, vemos que de fato não há um verdadeiro compromisso do setor econômico, do capital financeiro, do capitalismo como um todo. É por isso que os povos indígenas decretam emergência climática: pra cobrar do Estado brasileiro e de outros países medidas eficazes”, ressalta o coordenador.

A CESE percebe que os cenários de devastação de ecossistemas e ambientes são crescentes, mas, em particular, a desigualdade com que essa destruição acompanha e impacta a vida das pessoas, e fazem com que a injustiça ambiental e climática não possa ser entendida separadamente da questão social. O público com o qual a CESE atua propõe novas formas de compreensão do problema ambiental, que incluem outras concepções de afirmação da vida em oposição ao modelo de desenvolvimento neoextrativista e formas de convivência e modos de vida singulares na relação com a natureza, nos referindo também ao ambiente..

Os povos indígenas, as comunidades tradicionais ribeirinhas, extrativistas, de fundo e fecho de pasto, dentre outras populações, e seus modos de vida são fundamentais para a manutenção de um meio ambiente vivo. Neste dia 5 de junho, em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, a CESE reafirma seu compromisso com todos os povos e comunidades que mantêm o meio ambiente vivo a partir da sua própria existência. 

 

No Dia Mundial do Meio Ambiente, Le Monde Diplomatique Brasil e CESE lançam podcast especial “Território Vivo: o combate às mudanças climáticas no Cerrado”

O jornal Le Monde Diplomatique Brasil lança na próxima segunda-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente, a série especial “Território Vivo: o combate às mudanças climáticas no Cerrado”, segunda parceria entre o podcast Guilhotina e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE). O especial explora o enfrentamento às mudanças climáticas sob a perspectiva dos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais do Cerrado.

Serão quatro episódios quinzenais trazendo as experiências dos povos e comunidades tradicionais do Cerrado – com foco especial nas regiões do MATOPIBA – mostrando como os seus modos de vida, a sua sociobiodiversidade, a sua relação com os campos, as águas e as florestas são fundamentais para fazer o enfrentamento à crise climática, abordando também a importância de garantir a permanência dessas pessoas em seus territórios. 

O primeiro episódio da série traz as experiências das mulheres quebradeiras de coco babaçu do Piauí, partindo do relato de Helena Gomes da Silva, coordenadora do Movimento Interestadual da Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), e das apanhadoras de flores sempre-vivas de Minas Gerais, com a fala de Maria de Fátima Alves, a Tatinha, da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex). 

O especial Território Vivo pretende romper com o hábito da imprensa hegemônica de pautar os povos e comunidades tradicionais apenas em momentos de tragédias. A série também abordará os enfrentamentos diretos que essas comunidades fazem contra o agronegócio, o hidronegócio, a mineração, fazendeiros e outros grandes empreendimentos, mas a ideia principal é valorizar os seus modos de vida. Falar da denúncia a partir do anúncio. 

A parceria entre CESE e Le Monde Diplomatique Brasil é mais uma ação prevista nas atividades comemorativas pelos 50 anos de fundação da CESE. Acompanhe a divulgação da série especial que irá mostrar que a possibilidade de futuro vem da Terra e é ancestral!

 

Por Cese Direitos 


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